terça-feira, setembro 12, 2017

Os mitos históricos sobre império russo pré-1917

Neste outono se completam 100 anos desde o golpe do estado bolchevique que transformou o império russo num país comunista. O regime que se seguiu, tal como nazismo alemão, dividiu as pessoas em categorias, algumas das quais pretendia-se eliminar completamente. O nazismo exterminava as pessoas na base das suas “raças”, a União Soviética fazia o mesmo, mas em um número muito maior, na base das classes sociais.

Hoje, tentaremos analisar alguns mitos sobre império russo antes de 1917, mitos largamente usados pelos fãs e adoradores do comunismo soviético.

1. Mito № 1 — «antes de 1917 todos viviam mal e horrivelmente»

Praticamente é a base mitológica soviética. Para que os jovens soviéticos não tivessem dúvidas “desnecessárias” sobre quem é construiu as casas luxuosas, parques e jardins, a propaganda acrescentava que “apenas os nobres e todos os tipos de burgueses viviam bem, enquanto o “povo comum” sofria”. Os factos mostram situação diferente: os operários qualificados antes de 1917 viviam razoavelmente bem, tinham mais dinheiro do que os trabalhadores soviéticos, possuindo muito mais direitos, incluindo na área laboral.
Se analisar a literatura russa do século XIX, descrevendo as “abominações de chumbo da vida russa”, verifica-se que, em cerca de 80% dos casos, todas as desgraças e pobreza ocorrem no meio de alcoólatras, personagens desocupadas e vagabundos. Desde os clássicos como Maxim Gorky, passando pelos autores pouco conhecidos – todos eles descreviam a vida dos desgraçados do fundo da sociedade, como se estes elementos desclassificados representassem a sociedade civil antes de 1917. Curiosamente, muitos desses livros tinham um final feliz, quando os desocupados, levando pontapés, desferidos pela própria vida, arranjavam o emprego e rapidamente se endireitavam. As publicações soviéticas explicavam essas mudanças nos seus prefácios ou posfácios de forma muito simples: “e tudo a revolução mudou!”

Por outro lado, no império russo antes de 1917, não existiam os elevadores sociais suficientes (já existentes nos EUA na época), existiam extratos sociais arcaicos, os apoios aos mais desfavorecidos eram fracos, [não era resolvida a questão das políticas nacionais em relação às nações não russas, desde polacos e ucranianos aos georgianos ou azeris] – são áreas que necessitavam as reformas urgentes e não apenas “destruição até ao fundo”, para, de seguida, construir um impérios comunista cinzento e maçador.

2. Mito № 2 — «Lenine derrubou o czar e libertou o povo»

Na realidade, nem Lenine, nem os bolcheviques derrubaram a monarquia russa. O czar abdicou do trono em fevereiro de 1917, após disso no império foi instalado o sistema republicano e marcada a data das eleições gerais. Os bolcheviques, sentindo a fraqueza do Governo Provisório, a grande insatisfação na sociedade (com a I G.M. prolongada, etc.) se aproveitaram da situação e um pequeno grupo golpista assumiu as rédeas do poder. Na verdade, Lenine derrubou um governo republicano, escolhido pelo voto popular e estabeleceu a ditadura dos bolcheviques, que então, destruíram fisicamente todos os restantes partidos que pretendiam implementar as mudanças na Rússia.
A mitologia histórica soviética clássica, sempre “engolia” este momento, tentava não acentuar a atenção dos estudantes, porque aqui ficava claramente visível toda a fraqueza inicial das posições dos bolcheviques. Kerensky e o seu Governo Provisório na literatura soviética eram descritos em como personagens cómicas, e as razões do golpe armado eram explicadas pela “recusa do Governo Provisório de tomar os passos decisivos”, etc. Quem fizer a pergunta lógica das razões de não esperar pelas eleições gerais, podia obter desde a nota negativa na cadeira de “comunismo científico” até ser condenado, nas décadas de 1930-40, aos campos de concentração de GULAG.
Alexander Kerensky (1881-1970) em 1957 nos EUA
Outro grande mito é a “libertação do povo”. Nem os operários, nem os camponeses da época soviética sentiram qualquer liberdade laboral, caindo no cativeiro efetivo e dependência absoluta do poder comunista.

3. Mito № 3 — «sem transformação em URSS, o império russo nunca aguentaria a II G.M.»

Situada no domínio de “achismo”, é uma construção que, em primeiro lugar, não equaciona a forte possibilidade do que que sem o golpe comunista de outubro de 1917 e dos eventos que se seguiram (a criação do Comintern, do Roter Frontkämpferbund, da proclamação como objetivo de criação de uma “revolução mundial”), a história, provavelmente, não conheceria nem Hitler, nem Mussolini, nem a Segunda Guerra Mundial.
Em segundo lugar, os autores desta teoria costumam comparam as forças armadas russas de 1914 com as FA da Alemanha nazi em 1941, o que em si é ridículo. Sem o golpe bolchevique, a Rússia desenvolveria naturalmente as suas FA e provavelmente teria permanecido no seio de uma aliança militar (Tríplice Entente ou a sua transformação posterior), juntamente com Inglaterra e França, uma força militar continental formidável.

4. Mito № 4 — «sem a URSS não existiriam os descobrimentos científicos»

O mito bastante risível sobre o “papel preponderante do partido comunista na ciência”, que adoram repetir todos os tipos de ditaduras vermelhas. O brasão de armas da Coreia do Norte mostra as linhas de energia – se estas foram construídas na época da RPDC, então surgiram graças aos comunistas. Essa incrível estupidez nem sequer quer deve ser comentada – a vizinha Coreia do Sul vive sem comunistas no poder e possui excelentes redes elétricas e o resto da infra-estrutura. Além disso, se olharmos às imagens noturnas de satélite das duas Coreias, a propaganda comunista parece uma triste ironia – toda a Coreia do Sul brilha com luz elétrica e o norte é um negro lugar vazio, fruto da pobreza e subdesenvolvimento.
Sem o regime soviético e sem a União Soviética, não existiria êxodo em massa de cientistas da Rússia na década de 1920, não existiriam as prisões dos cientistas (famosas sharashkas) estalinistas de 1930-40 e a exploração espacial e oceânica teriam ocorrido sem o tenso desgarro propagandista que as acompanhavam na URSS, abrindo, paralelamente os rombos astronómicos no orçamento geral de contas.
A Rússia czarista não deve ser idealizada – em muitos aspectos era um estado obsoleto, arcaico e pesado, com desigualdades sociais e legais, que se envolveu numa guerra estúpida [I G.M.] No entanto – o golpe bolchevique apenas agravou e piorou quase tudo, impedindo o processo eleitoral geral e as possibilidades da reforma gradual do sistema. Como se diz numa piada histórica, era necessário lutar para garantir que não houvesse pobres e os bolcheviques lutaram para garantir que não existissem ricos – o que, em geral, acabaram por conseguir à realizar.

E os leitores, quais outros mitos sobre a Rússia czarista vocês conhecem?

Fotos @GettyImages e Internet | Texto @Maxim Mirovich e [@Ucrânia em África]

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