sexta-feira, novembro 11, 2016

A “Colónia Corretiva IK-7”: o campo de concentração da Rússia moderna

Ildar Dadin, o prisioneiro político russo, o primeiro a ser condenado pela sua participação nos piquetes solitários (!), tudo ao abrigo do artigo 212.1º do Código Penal russo: “a violação repetida da ordem estabelecida de organizar ou realizar reuniões, comícios”, conta o clima na “Colónia Corretiva № 7” (IK-7), antes e depois da sua denúncia do uso generalizado da tortura e dos maus tratos.
Ildar detido pela polícia russa em agosto de 2014. Moscovo
No dia 9 de novembro corrente, a esposa do Ildar Dadin, Anastasia Zotova, conseguiu ver o marido, encontro que durou 4 horas, no decorrer do qual Ildar contou com muitos pormenores tudo que lhe aconteceu na colónia penal desde a sua entrada no estabelecimento. O texto foi publicado na página Meduza.io (a versão curta).

Isso não é um estabelecimento corretivo, é um campo de concentração. As pessoas estão mantidas aqui não para melhorassem, mas para os maus tratos. [...] Os espancamentos e torturas não param mesmo agora, após a intervenção da [Comissária para os Direitos Humanos] Tatiana Moskalkova e vinda dos membros do [Conselho de Direitos Humanos do Presidente russo] Pavel Chikov e Igor Kalyapin.
Igor Kalyapin no decorrer da sua visita a IK-7
Eu ouço as pessoas a serem espancadas, eu posso ouvi-las gritando. Eu sei que continua a tortura de frio e de fome [...] estou pronto para dar as datas específicas, mas, pessoalmente, em conversa com os defensores dos direitos humanos, porque receio que os funcionários saberão e assim esses vídeos também serão apagados (Pavel Chikov contou que o registo do espancamento do Dadin pode ser apagado porque os dados são guardados por apenas 30 dias e o incidente ocorreu em setembro). Eu sei que estes dias eles apagavam os vídeos do disco rígido [...]

Peço para escrever uma exposição ao Comité de Investigação porque eu mesmo não consigo fazê-lo – de acordo com a rotina diária, para escrever alguma coisa (cartas ou queixas) só se pode usar o seu tempo pessoal, meia hora por dia. O resto do tempo é o trabalho, tal como a limpeza da sua cela. Além disso, se você limpou a cela em meia hora, você não pode fazer nada mais nada – deve varrer o chão pela segunda, pela terceira vez. Se eles vêem que você não trabalha, o enviarão ao SHIZO (Isolamento Punitivo). Faz-me lembrar as histórias que eu lia sobre os campos de concentração nazis – onde os prisioneiros eram forçados a se envolver em trabalhos sem sentido, como arrastar os tijolos de um lugar para outro.

O tempo pessoal quase inteiramente é gasto para percorrer a distância entre a cela e o armazém, pois todas as suas coisas pessoais, mesmo a comida, estão no armazém. Quando chegas lá, sobram apenas cinco minutos, e, percebendo que não consegues escrever nenhuma queixa, tentas comer, porque aqui todos os dias sonhas com um pedaço de salsicha e um pedaço de pão – tal, no conto “Um Dia na Vida de Ivan Denisovich”, de Alexander Solzhenitsyn. Sonhas com a comida à noite, e quando você imagina uma longa visita, não pensas em abraçar a sua esposa ou irmã, mas sobre a comida que elas trazem. Eu acho que o pessoal do Serviço Federal de Execução de Punição (FSIN) encurtam o nosso “tempo pessoal”, aproveitando o facto de não possuirmos os relógios e não podemos controlá-lo.
A entrada do Isolamento Punitivo - SHIZO
A pior coisa para um homem começa quando ele chega ao IK-7. Ele é atirado para a “cela de etapa” (“etapka”). [...] No total, passei lá os 45 dias de inferno. Nesta cela não existe o isolamento térmico. Se na rua são -10ºC – na cela também. Você recebe um par de roupa prisional, e todos os pertences pessoais são lhe retirados, não consegue se aquecer. À noite, eu ficava sob um cobertor, de cãibras, por causa do frio, pensava apenas em aguentar pelo menos uma semana. Sonhava com a comida – nos primeiros dias eu entrei em greve de fome, depois fui forçado a desistir, mas me alimentavam de maneira para ficar com a fome. [...] Creio que os alimentos prisionais eram cortados ainda pela metade. [...] Eu estava esperando pela ajuda, por isso pedi para enviarem as cartas com a minha localização ao endereço de esposa e mãe (por lei eles são obrigados a fazê-lo). Mas não mandaram nada a minha esposa, porque eu não me lembrava o seu endereço certo, não permitindo consultar a minha lista telefónica, disseram: “Se você não se lembra, que se f0de”. Deixei o endereço da mãe – mas a carta, aparentemente, também não foi enviada.

No dia 11 de setembro de 2016 pela primeira vez me tentaram colocar na posição de “rastiajka” (alongamento), após no dia 10, eu anunciar a greve de fome [protestando contra a colocação na cela de castigo]. “Alongamento” consiste em ficar em pé, à dois passos da parede, colocando nela as costas das mãos. Com a cara para baixo, pernas abertas, o mais possível. Nenhuma lei, nenhum regulamento não exige precisamente essa posição, eu verifiquei. Quando um prisioneiro “está se esticando” é fácil de o bater. Batem com as palmas das mãos, na nuca, nas têmporas, na cabeça – de modo não deixar os vestígios. Batem com as solas dos pés – no corpo, nas pernas, na parte interna das coxas, na virilha. [...] Batem, até caíres. Quando se levantas, batem até concordares com o que eles dizem. Dizem, por exemplo: “Você é nada, você é panilas”, e você deve responder: “Eu sou ninguém, sou panilas”. Me obrigaram a dizer: “Putin é o nosso presidente”, porque eu sou da oposição.
Ildar Dadin: "Putin - a morte da Rússia!!!"
No dia 12 de setembro vieram os oficiais do FSIN e ordenaram me a sair da cela para a verificação. Percebi que me vão espancar novamente e disse: “Não importa onde vocês me vão espancar, na cela ou no corredor”. Então eles ligaram a vídeo registadora e começaram fazer as coisas “pelas regras”: disseram que usariam a força, começaram torcendo as minhas mãos. Usaram as algemas ilegalmente, porque eu não resistia. Eu deliberadamente mantive as mãos no acoplamento, para não ser acusado de resistir.
Dadin com a imagem e as cores ucranianas
Da primeira vez não conseguiram fazer um vídeo bonito, em que tudo estaria “segundo a lei” – saíram e tudo começou de novo. [...] Filmar tudo “como manda a lei” conseguiram da terceira tentativa. [...] Se lhes pedir o vídeo inteiro, será visível como eles me puxam para fora da cela e como espancam. Não sei os nomes dos envolvidos, apenas os patentes: um major, um 1º sargento e um 1º tenente.

[...] Tiraram as minhas cuecas e um deles disse: “Agora você será estuprado, chama ...” – ora Venya, ora Benya. Outro ficou irritado, dizendo: para que você diz os nomes. O primeiro disse: “Qual é a diferença, ele não irá ver nada”. Poucos minutos depois eles me disseram que há uma última chance de evitar o estupro – bastava eu parar a greve de fome.

O diretor do campo
O gabinete do chefe Kossiev
Eu ainda não conhecia as iniciais [do diretor do campo] Kossiev e o chamava de “sádico do campo”. Todas essas torturas, todos esses espancamentos ocorrem apenas com o seu consentimento. Quando tinha falado com ele após o meu “alongamento”, ele disse: “Sim, aqui espancamos os prisioneiros”. Como se isso fosse o seu direito. E disse: “Você não foi severamente espancado, se eu ordenar, será espancado com mais força”. Eu disse que irei entrar na greve de fome seca, até que venha o Ministério Público, e Kossiev apenas riu e disse que se eu reclamar, serei morto e enterrado aqui mesmo. Percebi que ele não tem medo de inspecções e dos promotores públicos.

Na colónia penal ocorrem as inspeções, mas são muito estranhas. Você é forçado a olhar para o chão, e você vê apenas os sapatos do inspetor. Quem exatamente vem – pessoal do FSIN, do Comissário dos Direitos Humanos ou do Ministério Público eles não dizem. Aqueles que são espancados e estão machucados são escondidos no SHIZO. E se você falar com alguém, será na presença dos mesmos funcionários do FSIN que o torturaram. Você irá reclamar na presença dos mesmos? Eles vão se lembrar e irão o espancar ainda mais. Portanto, falar com os prisioneiros só faz sentido de forma tête-à-tête .
Rússia, deixe em paz Ucrânia. NÃO À GUERRA!
[...] Após a publicação da primeira carta do Ildar Dadin, no dia 1 de novembro de 2016 os funcionários do FSIN começaram ficar frenéticos.

Fui levado para a unidade médica, no entanto, sem ser informado para onde ou por quê. Foi totalmente despido e filmado em vídeo; sem nenhuma explicação. Depois foi transferido ao SHIZO na companhia de um outro preso, tudo indica – um demente. [...]

Agora a mim, pessoalmente, já não espancam, mas continuam com os insultos. Por exemplo: “Então, era necessário você se queixar? Nada alcançou, só se mostrou ao mundo como paneleiro. Você não salvará ninguém”. Outros dizem: “Você é um [prisioneiro] político, agora não sairás da cela de castigo até o final da sua pena”.
FIQUE CALADO - QUANDO AMANHA VIRÃO POR TI, O PRÓXIMO FICARÁ CALADO 
Desde o dia 1 de novembro as chefias da “Colónia Penal № 7” nada comentam sobre as declarações de Ildar Dadin.

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