segunda-feira, setembro 26, 2016

Síria: «Os russos efetuam os golpes, mas os assaditos não combatem»

Quase um ano atrás, no dia 30 de setembro de 2015, a Rússia começou a operação militar na Síria. Mesmo com ajuda externa, o exército do Bashar al-Assad não conseguiu nenhum sucesso significativo: 60-70% do território sírio é controlado pelas milícias, a população e até os militares pagam uma espécie de imposto aos serviços secretos corruptos.

por: Mikhail Khodarenok *, observador militar da “Gazeta.ru” (versão curta)

A parte significativa das unidades das forças armadas russas foi retirada da Síria. Praticamente, ficou apenas um grupo de aviação na base aérea de Khmeymim. Existem evidências da decisão política adotada pelo Kremlin – minimizar ao máximo o custo de manutenção de tropas e conduzir as operações dentro das restrições orçamentais existentes. Reduzir o agrupamento. Economizar a gasolina. Poupar o jet fuel de aviação. Até as bombas estão acabar. Há rumores sobre aquisição de engenhos explosivos de aviação na Belarus, onde estas possuem o stock significativo desde a época soviética.

Os primeiros seis meses da campanha russa na Síria podem ser avaliados como mais ou menos bem-sucedidos. As unidades russas de forças aeroespaciais e formações de outros ramos das forças armadas golpeavam os terroristas de forma eficiente com mísseis, artilharia e bombardeamentos de assalto. Com a sua ajuda, as forças governamentais libertaram dos militantes determinadas áreas da Síria. Mas na segunda metade do ano houve um perder de tempo flagrante nos mesmos locais e perda, em alguns locais, das posições anteriormente conquistadas.

Agora a situação é tal que cerca de 60-70% do território da Síria (é difícil dizer com a maior precisão) é controlada por militantes e pelas forças de oposição armada. Eles ocuparam quase todo o leste do país, uma grande parte de Aleppo, a província de Idlib na sua totalidade, uma parcela significativa da província de Homs, a área ao redor da cidade de Deir ez-Zor, oásis Guta Oriental ao sul de Damasco, região de al-Zabadani na fronteira com o Líbano e alguns outros lugares.

O aliado ingovernável

As perspectivas futuras do exército de Bashar al-Assad não parecem muito encorajadoras. Hoje, a questão mais fundamental é a qualidade da gestão das operações militares.

Desde 2004 do exército sírio deliberadamente foram expulsos os oficiais e generais com a formação militar na União Soviética e na Rússia. No exército sírio praticamente não sobraram os oficiais falantes da língua russa. Foi dada a preferência aos oficiais que estudaram na Turquia, Arábia Saudita e no Ocidente. Neles foi feito o foco principal no exército sírio.

Em resultado, muitos generais e oficiais sírios passaram para o Exército Livre da Síria na oposição. E não foi a pior parte dos oficiais de Bashar al-Assad. Neste momento no exército governamental prosperam o nepotismo, a corrupção, a bajulação, a intriga, a mentira. Os oficiais pró-ativos e ativos sem os laços familiares necessárias não têm nenhumas chances da progressão na carreira.

O aparelho dos assessores russos foi retirado da Síria. Não há assessores russos no Estado-Maior General das forças armadas sírias, nem nos principais ramos das forças armadas do exército sírio, nem nos principais centros e departamentos. A comunicação, mesmo ao nível mínimo exigido entre os militares sírios e russos não existe por causa disso. E isso dá origem a desconfiança mútua. Surge a inconsistência nas ações. Os dois lados suspeitam a contraparte de vazamento de informações, e às vezes até de traição. [...]

Sem a logística e sem espírito combativo

Hoje, os militares sírios nem sequer possuem a logística centralizada. Tudo é decidido pelos comandantes dos Corpos de exército. À eles é alocado o dinheiro e eles próprios decidem o que comprar, em que quantidade e à que qualidade. Os comandantes dos corpos são as pessoas mais ricas do exército sírio. A Direção Central das forças armadas sírias não tem nenhuma influência neste processo. O exército, por esta mesma razão está maltrapilho e de pé descalço. Os jovens sírios fogem do serviço militar ao exterior. Ajuda às famílias dos militares mortos e feridos é mínima ou inexistente. Eles, francamente falando, estão na miséria.

Nem os soldados, nem os oficiais estão motivados para o sucesso em combate. A moral combativa do exército atualmente é muito baixa.

Durante a batalha de Aleppo, o território da Escola Militar [de artilharia] foi abandonado pelas tropas sírias quando no recinto penetrou apenas um blindado ligeiro BMP dos insurgentes, com 8 ou 11 militares. Os militares do Assad em pânico se retiraram, deixando ao inimigo enormes estoques de alimentos, equipamentos, armas e munições, armazenados na escola. Em seguida, este lugar teve que ser destruído pela aviação russa.

Na maioria das vezes isso ocorre da seguinte forma: aviação russa efetua os ataques, e as tropas de Assad não vão ao combate. Avançam sessenta metros – se deitam no chão. Depois se retiram. Dizem: “Então, senão vão nos matar”. Atiram no inimigo, sem apontar, estendendo as mãos atrás de uma esquina.

O agrupamento sírio da área de Palmira durante um mês e meio avançava em combates até a cidade de Deir ez-Zor, onde se situa o nó de distribuição hídrica do rio Eufrates. Até o objetivo final faltaram apenas sete quilómetros. Em resultado, todos os avanços, com tantas dificuldades conseguidos, foram entregues em um só dia. Veio o chefe do Estado-Maior General das forças armadas sírias, falou alguma coisa aos seus militares locais, após o que estes bateram em retirada. Às vezes, apenas um militante barbudo que entra na zona de combates numa viatura improvisada com a metralhadora pesada é capaz de dispersar uma grande unidade síria.

Outros ramos das forças sírias possuem as capacidades de combate nada melhores. Artilharia do Assad, na melhor das hipóteses, só consegue efetuar o fogo em linha reta ou semi-reta. Os artilheiros locais não são treinados de efetuar o fogo à partir das posições fechadas e não sabem como fazê-lo.

«Mukhabarat»

A liderança militar síria não possui a linha estratégica claramente definida. Tudo se resume à gestão das operações de combate tático em determinadas áreas.

Para isto contribui o estilo típico do general Ali Aslan, ex-chefe do Estado-Maior General das forças armadas sírias, o conselheiro militar mais próximo de Bashar al-Assad. Na Guerra dos Seis Dias, em 1967, Ali Aslan comandava pelotão e, ao que parece, parou neste nível. Ele e os seus discípulos desconhecem o que são estratégia e arte operacionais. [...]

A liderança síria não possui as reservas estratégicas. Ao mesmo tempo, no país são formadas as brigadas de voluntários. Parecia que é uma oportunidade real para criar um punho poderoso e concentrá-lo no lugar certo no momento certo. Mas o pessoal destas brigadas é dispersado, por vezes, em vários sectores da frente, deixando de existir como organismos militares unificados. Assim, as guerras não são ganhas. Está na hora de pensar sobre a retirada gradual da Rússia do conflito sírio.

Na capital síria os tiroteios acontecem à cada noite. Sempre na mesma hora, cerca das 22h00. Militantes são entrincheirados nos subúrbios ao sul de Damasco. Mas ninguém se prepara para os empurrar para fora daquele local. [...]

Os movimentos do presidente al-Assad em Damasco e no país estão limitados devido à sua segurança pessoal. O acesso ao chefe de estado de pessoas, fora do círculo interno e parentes, ou é drasticamente reduzido ou interrompido completamente.

Surge a questão lógica: será que al-Assad realmente domina a situação no país? Será que ele têm as fontes independentes de informações, que permitem ao líder sírio fazer as conclusões corretas de acordo com a situação existente? [...]

Não é a melhor influência sobre a situação na Síria têm as inúmeras forças de segurança locais – “mukhabarat” (“relatos” / “notícias” em árabe). São representadas por quatro forças – a nacional, a militar, da força aérea e política. Existe também o Bureau de Segurança Nacional.

A corrupção nos serviços de segurança sírios tem simplesmente proporções incríveis. Em graus variados, eles impuseram “os impostos” não apenas à toda a população local, mas também ao exército.

Pela passagem por cada ponto de controlo, ocupado pela “mukhabarat” é necessário pagar. Mesmo o camião com alimentos através do ponto de controlo só pode passar pagando. Uma situação semelhante com os refugiados: pela aparência, os representantes dos serviços de segurança selecionam da multidão geral aqueles que podem ter dinheiro, aprendem o dinheiro e os seus proprietários são colocados em campos. Para resgatar essa pessoa, os parentes têm que pagar ao “mukhabarat” até 200 mil liras (cerca de 1.000 USD) por pessoa. É um valor muito grande para os padrões sírios. [...]

Na Síria há muitos cristãos. De acordo com algumas estimativas, dois milhões e meio de pessoas. Mas eles não desejam derramar a sangue pelo Assad. Anteriormente, os cristãos na Síria eram cidadãos de segunda classe, pouco representadas nas várias autoridades, hoje, não sabendo o que esperar das autoridades no futuro, eles não vão pegar em armas. [...]

Ninguém trabalha com os turcomanos. Eles não são turcos, mas verdadeiros [naturais do] Turcomenistão, movidos às áreas da Síria nos dias do Império Otomano. Eles são considerados, por direito, como bons guerreiros. Um número considerável deles está lutando hoje no lado dos partidos da oposição. Mas eles poderiam lutar pelo Assad, se soubessem por que [objetivo] exato estão à lutar. Mais, ao lado de Assad poderiam passar mesmo aqueles que estão agora nas fileiras dos insurgentes. Mas não é feito nenhum trabalho com eles.

Não é o melhor papel é jogado pelo “mukhabarat" que sequestra os turcomanos. As pessoas simplesmente desaparecem. Aos parentes, no melhor das hipóteses, um ano depois são entregues as pertences, com a fórmula “o seu filho morreu na prisão”. Assim, assaditos, eles próprios, multiplicam os seus inimigos implacáveis.

A atual situação na Síria é um beco sem saída. O problema sírio não tem a solução militar. Enquanto os norte-americanos, em conjunto com a oposição, desenvolvem um projecto de uma nova Constituição síria, por parte do Assad e seus aliados, nenhum trabalho pró-ativo está sendo feito.

* Mikhail Khodarenok é coronel aposentado, formado na Escola Superior de Engenharia de Mísseis Antiaéreos de Minsk (1976) e pela Academia Militar de Defesa Antiaérea (1986). Foi comandante da divisão de mísseis da defesa antiaérea S-75 (1980-1983). Graduado pela Academia Militar do Estado-Maior General das forças armadas russas (1998). Colunista da “Nezavisimaya Gazeta” (2000-2003), editor-chefe do “Correio Militar-Industrial” (2010-2015).

Blogueiro: sendo “Gazeta.ru” um órgão oficial do governo russo, é legítimo supor que uma série de artigos com o mesmo teor, da autoria do mesmo autor foi publicada para preparar a opinião pública russa à uma conclusão simples: “Assim, as guerras não são ganhas. A atual situação na Síria é um beco sem saída. O problema sírio não tem a solução militar. Está na hora de pensar sobre a retirada gradual da Rússia do conflito sírio”.  

O número dos militares russos na Síria
Os militares russos na Síria na base aérea de Khmeymim
Embora o número dos militares russos na Síria pertence aos dados absolutamente secretos, a Comissão Eleitoral Central russa, revelou publicamente estes dados, provavelmente, sem assim desejar.

Nas eleições legislativas russas da semana passada votaram na Comissão Eleitoral Local № 8269 de Damasco 4.571 pessoas (dos 5.360 eleitores inscritos). A comissão eleitoral russa na Síria é única, votam nela os civis e os militares. Mas o número dos militares e do pessoal de apoio (cozinheiros, serventes, representantes de fabricantes de equipamentos militares e equipas de manutenção) é facilmente calculável através do número dos eleitores russos que votaram na urna móvel (no dia 18 de setembro e fora da embaixada russa). Eram 4.378 eleitores (RT informa na sua reportagem que votou 100% dos militares), contra ​193 pessoas que votaram na embaixada russa em Damasco (o pessoal da embaixada, médicos, professores e membros de famílias mistas, russo-sírias que ainda permanecem na capital), escreve rbc.ru.

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