segunda-feira, julho 18, 2016

Desamparados: a tragédia da família ucraniano-americana na URSS

O nosso blogue já contou a tragédia dos milhares de cidadãos americanos que vieram à URSS a procura do “paraíso socialista” e acabaram mortos ou em GULAG. No entanto, a história que se segue é ligeiramente diferente. Embora com final sensivelmente idêntico: a procura do “céu socialista” invariavelmente leva as pessoas ao inferno.   

por: Efrem Lukatsky (jornalista e fotógrafo ucraniano)

Na primavera de 1932, o cidadão norte-americano, de origem ucraniana, Steve Martiniuk (1886), operário da Jones & Laughlin Steel Corporation, entrou no escritório norte-americano da agência de viagens soviética, Intourist, situada no № 542 da 5-th Avenue, em Nova Iorque e comprou o cartão mensal de viagem para a URSS, o cartão que o levou ao céu e toda a sua família ao inferno.

Já antes, Steve tentou, repetidamente, viajar para a União Soviética através da Polónia e da Finlândia, mas em maio de 1932, ele próprio, sua esposa Yustina e filha Ilena de três anos de idade deixou o bordo de um navio de passageiros na cidade soviética de Leninegrado.

Em violação de uma forte restrição de visitar apenas as cidades de Moscovo e Leninegrado, a família Martiniuk foi para Ucrânia.

***
Na Ucrânia, naquela época milhares de camponeses eram deportados para a Sibéria desde os meados de janeiro de 1930. Em 1930, foram registados na Ucrânia 4098 revoltas camponesas, muitas delas em massa e bem organizadas. A verdadeira guerra camponesa contra o regime comunista, uma poderia, em teoria, reconquistar a independência da Ucrânia. Estaline lançou um golpe preventivo contra camponeses e organizou o terror de fome em toda Ucrânia. E o mais importante: a União Soviética se preparava para a guerra contra a Polónia, levando dezenas de divisões militares até a fronteira.

***
Com os seus passaportes americanos, a família Martiniuk ficou em um hotel na cidade de Starokostiantyniv, na atual região de Khmelnitsky. Tudo aconteceu muito rapidamente. Os agentes da polícia secreta soviética, NKVD, chegaram de rompante e atiraram contra Steve na entrada do hotel.

Muitos anos depois, em outubro de 1999, já após o colapso da União Soviética, um tribunal da Ucrânia independente determinou que “o cidadão dos EUA Steve Martiniuk, nascido em 29 de março de 1886, teve uma morte violenta em maio de 1932, na cidade de Starokostyantyniv da região de Khmelnitsky, na Ucrânia, durante uma viagem de turismo para a União Soviética.

A sua esposa, Yustina, viu da janela do hotel os homens à matarem o seu marido. Ela pegou a filha e um saco com documentos e dinheiro, e fugiu, despercebida, pela porta dos fundos. Foi à aldeia mais próxima, bateu na casa mais próxima e pediu ajuda.

A casa pertencia à um casal de camponeses idosos e sem filhos, Stepan e Kateryna Datsyuk. Yustina contou-lhes sobre o assassinato de seu marido, pediu para cuidarem da menina até o seu retorno e correu de volta para a cidade para saber quem matou o marido e por quê.

Na cidade, ela foi presa imediatamente e levada à uma prisão de NKVD em Proskuriv (a atual cidade de Khmelnytskyi), cerca de 45 quilómetros de Starokostyantyniv. Ela foi acusada de espionagem e severamente torturada (em 1964, durante os trabalhos de construção no local da antiga prisão os operários encontraram os restos de milhares de pessoas assassinadas pela polícia secreta soviética).

Após a família Datsyuk souber que Yustina tinha sido presa, todos eles, juntamente com a menina, partiram para a fazenda remota, onde ninguém sabia que eles não tinham filhos, nem que Ilena era uma americana. Decorria o ano 1932.

A pequena Ilena tornou-se a testemunha de uma grande tragédia de toda a nação que o paranóico governo soviético mantinha no maior segredo: Holodomor 1932-1933 na Ucrânia. Uma fome de origem humana que o ditador soviético Estaline usou como um instrumento da sua guerra contra os camponeses relativamente abastados depois que ele apelou à implementação de coletivização forçada. Mesmo de acordo com a maioria das avaliações mais brandas, no ano fatal de 1933, 25.000 pessoas morriam a cada dia, ou 1.000 por hora, ou 17 pessoas a cada minuto. De acordo com diferentes fontes, no universo de 40 milhões de ucranianos, entre 4 à 12 morreram de fome, embora a maioria das fontes aponta os números até cerca de oito milhões de pessoas.

Uma cortina de ferro separava o mundo inteiro da União Soviética, e apenas os rumores sobre coisas estranhas e horríveis estavam atingindo os Estados Unidos: prisões em massa e execuções, grande fome na Ucrânia e eliminação de dissidentes ou sacerdotes.

Enquanto isso, o repórter do New York Times, o favorito do Estaline, jornalista Walter Duranty negava, repetidamente, a grande fome na Ucrânia, nos seus artigos (considerou muito mais tarde e em particular que cerca de 10 milhões de pessoas poderiam ter morrido de fome). Pela profundidade, imparcialidade, bom senso e clareza excepcional dos seus artigos sobre a União Soviética, Duranty recebeu o prémio Pulitzer. O maior prémio jornalístico atribuído pela mentira.

Ilena tinha sobrevivido apenas devido aos dólares da sua mãe - os pais adotivos trocavam dinheiro para comida de forma clandestina na cidade. Os seus novos pais avisaram Ilena: se alguém souber que ela é uma americana, a polícia secreta iria executá-los todos. O medo se instalou na mente da menina para sempre.

Yustina conseguiu escapar da prisão NKVD durante a Segunda Guerra Mundial em 1941, quando os nazis ocuparam Ucrânia e o Exército Soviético apressadamente bater em retirada. Nada, além do seu instinto maternal a levou para a fazenda remota, onde a sua filha vivia.

Uma mulher velha, exausta e cansada, dificilmente recordava à Ilena a sua mãe vista numa fotografia velha. Os Datsyuk esconderam ela num porão com medo do que os alemães executariam ela se soubessem que ela é um americano. Yustina tinha morrido dois meses mais tarde de fraqueza e doenças.

Ilena viveu em um assentamento remoto de Marianivka (cerca de 300 de Kyiv) o resto da sua vida. Mesmo hoje, a estrada termina a poucos quilómetros do assentamento e não é fácil chegar lá. Por toda a sua vida, ela trabalhou em um kolkhoze local chamado, em homenagem ao fundador da polícia secreta soviética, de “Felix Dzerzhinsky”.

Em 1989, o seu filho Oleksiy levou ela para a Embaixada dos EUA em Moscovo, onde em questão de pouco tempo foi lhe emitido um passaporte americano.

Enquanto trabalhava nesta história, o autor tinha muitas perguntas, e eu não conseguia encontrar as respostas às muitas delas. Os seus colegas dos Estados Unidos ajudaram a encontrar a casa na Pensilvânia que pertencia à família do Martiniuk e uma certidão de casamento. Mas eles também perguntavam como um trabalhador comum podia se dar ao luxo de viajar para tal longe. Pode ser que Steve era algo mais do que um trabalhador comum?

Este texto foi escrito em 2000. Mas não foi publicado por razões que merecem uma história à parte. A história da Ilena Levchuk teve uma continuação em 2001, mas neste momento não pode ser publicada.
Ilena Levchuk em 3 de maio de 2001, assentamento de Marianivka na Ucrânia
Texto, fotos e documentos @Efrem Lukatsky. 
Tradução ao português e o título do artigo é da responsabilidade do blogue @Ucrânia em África.

Blogueiro: vários momentos permanecem mais ou menos por esclarecer nesta história, que garantimos ser absolutamente verídica. Provavelmente a questão principal seja essa: o que um turista americano poderia testemunhar para ser abatido à tiro em plena cidade à luz do dia, em vez de ser “apenas” acusado de ser espião e abatido secretamente na prisão ou levado ao GULAG? Neste momento só podemos revelar aos nossos leitores uma coisa, apesar ser lhe reconhecida a cidadania americana, Ilena Levchuk (Martiniuk), morreu na Ucrânia sem nunca mais voltar aos EUA.

Sem comentários: